sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

 Conto erótico... ou o chamado; Realismo sujo:
 O estupro



 - Tire a roupa!- ordenava uma voz grossa e impetuosa
Diante da voz masculina estava uma mulher ajoelhada ao chão com os lábios pintados de sangue.
-Queres levar um outro murro nessa tua cara ordinária? Queres? -perguntava a voz escondida no escuro
A mulher chorava copiosamente.
- Eu adoro o teu choro... Dá-me mais tesão - dizia a voz, que aparecera por debaixo da luz vagabunda do poste, segurando  seu mastro por debaixo do fato de treino.
-Tira a roupa, vagabunda!
A mulher desabotoou o casaco.
- Que grandes tetas tens, sua vaca! Tira a t-shirt! Já! Agora! Quem me dera chover agora para que lhas pudesse ver arrepiadas e escuras. A chuva lamberia todo o sabor de tuas gulosas tetas, como a minha saliva fará agora.
 O homem aproximou-se da mulher machucada e lambeu-lhe os seios com a sua saliva de tabaco.
A mulher resistia, chorosa, ofegante.
- Eu acho que tu gostas da minha chupada, sua vacarrona!- berrava o homem teso
-Mamarás como um novilho, agora!- disse descendo as calças e empurrando a cabeça loira da mulher para o seu orgão fálico. 
A mulher não falava nada, mas repugnava o acto que o nojento homem a obrigava fazer.
Sem saída, engoliu o pénis cheio de veias, do estranho.
-Gostas, não gostas? Cheira-te bem? Hum? Aiiiii, eu  gozaria da tua cara e na tua cara agora! -disse gargalhando - Terias muita graça. Terias, terias... sua mulher gozada - trocadilhou
-Agora levanta-te
Ela obedeceu. Estava com a parte de cima à mostra. Usava umas apertadas gangas. O corpo da mulher era curvilíneo. Não era gorda, mas também não era magra.
- Tens cá uma barriguinha que eu vou te contar... 
A mulher encolheu-se.
-Tens vergonha do teu corpo? Tens cá uma barriguinha... E as mulheres não querem ter barriga. Tua barriga é boa!- gritava bafejando pelo ar o cheiro do seu absinto
O homem mordeu-lhe o ventre até ficar vermelho, roxo, marcado!
-Gostosa!'Stá aí o rótulo de gaja gostosa, boa. És gostosa demais sua cabra! Berra!! Faça mé, mé, mé!!- disse fazendo menção de lhe dar um pêro na cara. E então ela fez mé, mé para ele. Ele pediu um mé mas sensual. E ela murmurou mé mé, mais sensual. E o homem ejaculou bem gostoso e quando ele ejaculou ela teve um orgasmo também, quase que em simultâneo.
-Tais a ver como não é preciso penetração?- dizia o homem- Um dia como-te, mulher!- Afirmou sorrindo torto com os olhos negros já saciados do desejo.
A mulher limpou a boca machucada com um lenço de papel que costumava trazer em sua bolsa, que estava caída no chão. Vestiu o casaco e disse sorridente:
-Agora vamos embora Maurício, o nosso Carlitos já está a imenso tempo com a babysitting.- sorriu Alinne -Em casa comes-me, disse entregando a aliança ao marido e colocando a sua.
 Os dois saíram do beco escuro abraçados como um casal normal. E a voz impetuosa e grosseira, deu lugar à um homem preocupado com os negócios e com a sua família.




Castiçais:

 
   Esta história eu inventei somente para mim por que estava cansada de viver a minha própria. Inventei uma noite em que eu esperava você de cabelo molhado em que enxugava meu passado na mesa de madeira encerada e cheirosa. Comprei dois castiçais numa feirinha qualquer., um preto e o outro vermelho. Os dois se casaram tão bem...
A chuva caia lá fora e era a canção mais assombrosa e feliz que alguma vez já ouvira. Você tocou a minha campanhia e eu abri a porta de roupão. Você trazia uma ramo vermelho de flores e um vinho frutado. Tomamos ele numa taça balão bem grande e falamos sobre as nossas vidas. Abri a janela para que sentíssemos a pureza fria do vento juntos. Você me olhava na escuridão clara da lua que perfilhava o seu rosto como uma pintura cheia de texturas indecifráveis. Senti aquele arrepio louco que há muito tempo não sentia na espinha e no estômago a correr até o coração.Senti uma droga escorregar pelos meus pulsos. Vontade de beijar a tua boca e conversar ao mesmo tempo. Vontade de te escutar a noite inteira e de te fazer me ouvir. 
Deliciosamente engolir a tua quente respiração.Vontade de me abstrair do mundo todo e abrir as minhas cochas sem medo de ser feliz. De enfiar meus dedos na minha vagina e perfurar a minha vergonha matuta. Eu abri as minhas pernas, sem medo mesmo, porque era a minha oportunidade de fazê-lo naquele momento, porque esta era a história que eu inventei para mim e daí eu podia fazer tudo que eu quisesse. Tudo mesmo. Eu abri as pernas e estava sem calcinhas. Eu te reinventei louro e tinha os cabelos pela metade dos ombros. Escrevi você me agarrando com uma força milimetricamente medida. Uma força macia que massajava a minha tesão. Então a gente fez amor, fizemos sexo, fizemos paixão, fizemos aventura. Fizemos de tudo. Até Dançar encaixados, pénis e vagina. 
Nós dançamos e tudo teu dançou dentro de mim. Bossa nova no meu clítores, rock holl nos meus pelos púbicos, bolero na minha bunda, tango nas minhas virilhas, lambada nos meus quadris, carnaval no meu corpo inteiro. 
Beijo na boca, tanto beijo na boca a gente  deu até a minha língua ficar dormente. Beijo molhado, seco, duplo, com gelo, sem gelo, quente, beijo de tudo quanto era jeito. Puxão de cabelo, chamêgo. Tudo ali naquela sala a gente fez. 
Eu vivi tudo isso nesta história que eu inventei. Traí meio mundo. Bebi sem me embebedar quatro garrafas de vinho. Comi e comi-te sem me estafar. Dormi nos teu braços ao cansaço do sabor da vitória. Acordei de toda esta loucura quando vesti novamente o meu roupão e parei de escrever iluminada pelos dois castiçais comprados numa feirinha qualquer e com meus dois dedos húmidos.

 (Excerto Estória das histórias de Julianna de La Strada escrito por Marcella Reis / desenho de Marcella Reis)









quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Este vídeo demonstra um pouco da personalidade extravagante da escritora Marcella Reis que é alegre, espontânea, adora dançar, ouvir música e ser ela mesma. Pelo seu jeito excessivo e por vezes até  exagerado na medida certa, foi considerada por muitos conhecidos dela como: "A tal espampanante".
Por também considerar-se exótica e invulgar, é que ela decidiu escrever o texto  " A tal espampanante"
A tal espampanante
     
Dizem que sou espampanante. Que tenho as unhas mais compridas do que um escorrega que emborca. Que uso maquiagem de arco-íris nas pálpebras dos olhos e ando sempre com os dedos cheios de anéis mil.
     Se não coloco brincos que me façam cócegas nos ombros, sinto-me pelada. Aí isso sim, já é motivo para eu ser a tal espampanante.
     Meu cabelo nunca tem uma cor só e está sempre na moda mesmo estando fora dela.
     A Julianna é espampanante porque fala alto sendo educada, porque é chic mesmo sendo pindérica. Usa vestidos anos 50 que foram comprados na feirinha antiga dos domingos. Se veste de cupido em dias de São Valentim e come as castanhas do povo alegre de Marvão no São Martinho. Usa botas de cano alto e meias berrantes e a pesar de ter um brilho flamejante no olhar, coloca gliter nos olhos e usa dourado em pleno dia e prateado também.
     Dizem que sou espampanante. Bebo vinho na Praça da Figueira mesmo em baixo do cú do cavalo e fumo fechando o olho esquerdo puxado por um eye liner comprado em um chinês qualquer. Cantarolo na rua músicas antigas do meu coração e ouço roda de choro com os rapazes de Alfama e rio quando ouço fado.
     Tenho um jeito "moleca" de ser, com gostinho de sopa de Juliana de quando brincava de bonecas. Uso um sutiã mil vezes até ficar ensebado de poeira e suor e calcinha rasgada na vértice do tecido. A João, minha mestra de costura, me dissera que roupa interior rasgada era para o lixo. Imagina só então, se ela visse as minhas meias que se rasgam bem mesmo na unha do dedão do pé que, só de vez em quando corto e que encrava sempre por causa da unha grande e dos sapatos apertados de inverno.
     Mesmo assim, dizem que tenho a espampanância por causa do meu colo que é dourado e voluptuoso, por causa do sorriso esgueirado de lado e dos dentes para fora atrevidos e da boca fina que desata a falar sobre um monte de coisas e pessoas e do tempo e de tudo e de nada. Por causa da comida apimentada e cheia de feitiço e das cartas de tarôt e do modo hipnotizante e apaixonante de como as leio.
     Eu até me acho espampanante sim. Digo eu: “A Julianna é espampanante” e eu gosto desta palavra.
     Mas tem dias que eu só quero ter o rosto limpo e as unhas grandes mas sem o vermelho-tomate-maduro-berrante. Tem dias em que ao invés de cantar eu quero ouvir a voz dos outros. Tem dias em que a minha orelha pede sossego e não quer mais ser cabide de metal nenhum. Até mesmo de ouro e de prata. Há dias em que não quero colocar pimenta na comida e nem muito sal e só sentir o gosto que a comida tem sem o seu tempero.
      Há dias em que eu quero chuva e não sol, saudade e não saudação, silêncio e não elouquência.
     Há dias assim na minha vida. Que não uso anéis. Só mesmo o de compromisso. Há dias em que as estrelas não me emprestam o brilho nos olhos e até que bebo menos e fumo menos também.
     Tem dia que eu quero estar longe de Lisboa e do barulho e que ando mais rija e menos faceira e rebolante e que meu cabelo tem a cor de um vidro embaceado da janela de um carro apertado e cheio de gente.
     Nesses dias as pessoas dizem: “A Julianna espampanante está triste.”

(Divagações de uma Julianna chamada Marcella, excerto de sua obra La Strada)
Eu sou

Eu sou aquela que você não viu nascer
Sou a morte e a vida
O amargo da língua,

Sou a tua mãe e tua prima,
Tua esposa e também inimiga
Sou a tua embriaguês
O teu tacto e o teu faro
Sou a resposta e a dúvida,
O asco e o perfume

Sou a tua bicicleta e a tua bengala,
O cigarro que o teu pulmão inala
Sou o gelo, o fogo,
O filho, o beijo quente
Eu sou o sexo, o amor
Sou o ópio, a erva, o odor
Sou a senhora e seu senhor
Sou cobra, camaleão,
Sou a rosa e seu botão,

Sou o cravo, a bola,
A briga, a violência
Sou a pérola dada aos porcos
Eu sou o verão, o inferno
O céu e o etéreo

Sou faca de dois gumes
Sou aço, sou ouro
Sou bota de couro

Eu sou o sertão,
A amazónia,
Sou o jacaré
Sou a macedónia
Sou Juliana, Mariana
José, sou Francisco,
Carlitos e Mané

Eu sou a doença, a cólera profunda
A tinta do cabelo e o cabelo também
Eu sou a sede, a água, o braço, a unha, o espelho, a rocha, a lupa

Sou Flamengo, sou São Paulo
Sou Janeiro até chegar Dezembro
Eu sou setembrista e Marcelista,
Sou Caetano e Buarque,
Sou Veloso e Joana D’arc
Sou o Ruca, sou o Noddy e o Lula tambérm

Sou a rapidez e a vagareza
Sou o paradoxo e também a proeza
Sou a vergonha, a sátira
Sou vagabunda, sou comportada
Sou leviana
Sou reta, sou torta, paralela,
Sou bicetriz e imperatriz
Sou poética, sou vulgar
Sou culta, impopular
Sou descida, sou subida
Sou o tudo e o nada me guarda

Sou a inércia e a dança
Sou o mar e o espaço,
Estrela do céu e do mar também
Sou toda gente e não sou ninguém

Sou triste e feliz
Professora e aprendiz
Sou música e o silêncio
Sou o apito, o grito, a primeira e a última
Sou personagen e também sou real
Sou a capoeira e os escravos e também o carnaval

Sou a missa do galo,
O padre, o ateu,
Sou o natal e a aversão à datas
Sou o retrato, o pobre, o rico, o cheiroso e o fedido
Sou Patrício. Sou Judeu
Sou tudo isso!
E ainda sim,
ninguém sabe quem sou eu


(Poema da Obra "Era uma vez a Poesia..." de Marcella Reis pela Chiado Editora)














 Capítulo IV
Nanã 

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Parte 2
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Oxalá eu tivesse um filho teu!


  “  No início o mundo e as coisas eram formadas por pântanos e águas. Somente por isso o mundo era rodeado e feito. Nós orixás vivíamos em orum e só de vez em quando desciamos à terra, nome que os humanos costumam dar a ayê. Foi então que Olorum, o nosso senhor chamou Oxalá e confiou-lhe  a tarefa de criar e dar terra firme ao mundo. Olorum cedeu a Oxalá um pombo, uma galinha com pés de cinco dedos e uma concha de águas. Oxalá foi até ao pântano e pousou a concha, soltando assim a galinha e o pombo que ciscaram toda a terra que misturou-se na água formado uma espécie de barro. Olorum enviou então dos céus um camaleão para saber se Oxalá havia conseguido realizar o trabalho que havia lhe dado. E de certo que ele conseguira. Oxalá teve a honra de criar o homem e a mulher através do barro que havia no pântano e Olorum soprou-lhes para dentro da boca e deu o ar da vida aos orixás e a todos os seres humanos. Foi uma felicidade só para os deuses e para os humanos.              
     Quando jovem, Oxalá era conhecido como Oxaguiã.  Eu era considerada a grande deusa guerreira das Bahias. O moço divino, morava num reino muito bonito, reino este que eu como boa guerreira , tinha a pretenção de conquistar. Mas ao chegar ao reino e ver aquele moço tão belo acabei por me apaixonar por ele no momento em que o mirei.  Declarei-me para ele e qual não foi a minha desilusão, quando ele me disse que o seu coração já pertencia a uma outra mulher. Eu lhe perguntei que mulher era esta. Ele me respondeu que... bem. Era uma sereia. Ele só havia me dito isso. Eu perguntei-lhe o nome dela e com medo de que eu lhe fizesse algum mal a ela, não me dissera. Desisti de atacar e conquistar o seu reino e todos os dias campeava por lá só para admirá-lo e descobrir quem era a sua esposa.
     Numa noite muito azul e prateada do mais cintilante luar, eu resolvi seguir  Oxaguiã e o vi caminhando para a praia  Bonita daqui da Bahia. Ele ficou durante muito tempo sentado na areia, admirando as ondas que iam e voltavam para os seus pés. As espumas das ondas iam se juntando nas suas pernas cada vez mais, como se fossem um véu prateado. De repente, um rabo de peixe apareceu pelo alto da espuma e voltou a esconder-se entre ela novamente, até que uma explosão leve de água aconteceu em todo o corpo dele,  espirrando até em meu rosto que estava alguns metros distantes dalí. No mais absurdo do inacreditável, aquela espuma líquida transformou-se num tecido branco e esvoaçador. E o mar tomou a forma azul de um mundo de cabelo. Ao meio de todo aquele emaranhado de vestido e cabelos ondulantes, apareceu do escondido, o corpo escultural e a face perfeita de uma sedutora e venusiana mulher, pronta para amar e ser amada pelo meu amado Oxaguiã.
     Daí por diante, eu percebi que Oxaguiã casava-se todas as noites com aquela mulher do mar que usava um véu feito de espuma e cabelo de água. E que todas as noites era a sua lua de mel e que... todas as noites também, ela dava luz a milhares de filhos dele. Na verdade, ela dava a “Lua” a milhares de peixinhos. Fiquei boquiaberta! Não podia acreditar numa coisa daquelas. Mas era mesmo verdade. Os filhos deles era simplesmente... peixes!
     Com tudo isso, eu fiquei obcecada em dar um filho ao homem que tão platónicamente eu amava. Eu queria dar a ele filhos que não fossem peixes. E passado 9 dias e 8 noites em que o episódio com a mulher- peixe se repetia, eu invadi o seu quarto numa madrugada e supliquei-lhe que me desse um filho. Ele reclinou-se ao meu pedido. E disse que não podia dar um filho a quem ele tinha quase como uma filha. Ele contou-me que ele havia criado o meu corpo e o modelado do barro de um mangue. Eu havia sido a primeira mulher-deusa a ser modelada por ele.  E depois que ele me fizera emprestei-lhe do meu barro para a criação dos seres humanos. Havia tanto mistério dentro do meu ser que até para mim era um mistério tudo isso não ter sido nunca recordado.Ele era o meu co-criador. Então eu lhe disse sorrindo:
     - Segundo a crença de alguns humanos, Adão foi criado do barro e foi o primeiro homem a pisar na terra. Da costela deste homem foi feito Eva. Costela esta que era barro do corpo de Adão. Tu foste o primeiro Orixá a pisar a terra e eu a primeira a ser feita. É justo que me tomes. É justo que recebas também o meu amor. Dar-te-ei um filho de verdade. E por teres me moldado, não serei a tua segunda esposa, mas a primeira.
     Dizendo estas palavras abracei-o com força e o seu corpo divino fundiu-se ao barro do meu corpo, mangue forte e enamorado e nesta madrugada eu lhe revelei todos os meus mistérios...
     ( "Quando os Orixás pisavam a Terra" escrito por Marcella Reis/ Pinturas Nide Bacelar)

    

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Capítulo III
Rosa Caveira do Cruzeiro
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Parte 2
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O feitiço

  
   Rosa Caveira do Cruzeiro saiu do transe em que estava e pediu para que Oyá a seguisse. Com muito receio e medo Oyá o fez. Atrás do velho casebre e de toda aquela tristeza apodrecida e seca estava resguardado um belo jardim repleto de rosas amarelas e vermelhas e plantas rasteiras verdejantes. Oyá não podia crer no que os seus olhos viam. Era um contraste absurdo entre um jardim-paraíso e um monte de terra repleta de milho seco e gado morto.
     Rosa Caveira do Cruzeiro estava mais bonita alí, no meio de todo aquele jardim calunga.
     - Eu sempre fui diferente das minhas irmãs. Todas elas casaram-se com agricultores da Região da Bahia. Grandes agricultores eu diria. Mas eu nunca quis me casar ou me prender a alguém. Desde pequena me empenhei em saber de todos os feitiços de ayê e orum. Tudo o que os meus pais sabiam eu tentei aprender. Eles eram grandes feiticeiros e sábios. E, acabei me tornando uma grande feiticeira também. A minha irmã mais velha não suportava o apreço que os meus pais tinham por mim e eu por eles. E por inveja ela matou os meus pais com um feitiço de magia negra.
     -E você, o que fez?- perguntou Oyá receando a resposta que sairia dos seus lábios em formato de coração.
   - Eu a matei! Não tenho gosto em dizer isso e nem em tê-lo feito. Raiva só traz o mal e a morte dela não trouxe de volta vida aos meus pais. É por isso que tem que se tomar cuidado com o que se pede ou com o feitiço que se faz.
     Oyá começava a entender o reclinamento de Rosa ao seu pedido.
     - Depois que matei a minha irmã, todas as outras passaram a me tratar de forma cordial. Nunca mais se atreveram a me mal tratar ou a me fazerem mal. Eu decidi sair daqui com apenas 19 anos. Peguei a estrada do mundo. E numa destas minhas andanças eu me cruzei com um mago. Um velho mago. Juntos percorremos várias aldeias e as livramos da tirania de grandes senhores feudais. Livramos cidades da peste e magia negra.  João Caveira foi meu único e grande amor.  Quando o conheci ele tinha 60 anos.  Mas eu nunca enxerguei velhice naquele homem. Aliás, ele nunca pareceu ter a idade que tinha. Ele, junto com seus quatro irmãos me ensinaram milhares de feitiçarias. Sei tudo que pode ser feito com ervas, perfumes, poções e tudo que se pode fazer num cruzeiro. Aprendi tudo isso com ele e com a minha falecida mãe. Um certo dia eu tive a visão de que as minhas irmãs preparavam a minha morte através de um feitiço e antes que este pudesse chegar até mim eu usei o feitiço do espelho e a maldição se voltou contra elas matando-as todas. E... o feitiço se voltou contra o feiticeiro. Uma feiticeira tem que tomar cuidado a quem direcciona o seu feitiço. Oxum é forte e tem sempre um espelho na mão direita. Eu não ouso jogar feitiço algum na mulata de Xangô.
    Oyá abaixou a cabeça desconsolada e envergonhada com a sua atitude. Rosa continuou a falar:
     - Eu não faço feitiços negros, muito pelo contrário, eu só faço feitiços brancos. Eu sei que todos me chamam de mulher-demónio só por que uso o crânio de uma caveira com uma rosa amarela no maxilar dela para fazer todas as minhas magias e porquê vim ao mundo as mãos de uma caveira. Caveira esta que me visita todos as minhas primaveras. Caveira esta que é a minha adorada avó.
     Oyá olhava Rosa Caveira agora sem medo e com maior respeito.
   -E o que aconteceu ao João Caveira?
    -Morreu aos 77 anos. Está enterrado aqui neste cemitério-jardim. Depois que ele faleceu eu voltei para esta terra  que os meus pais nos deixaram e estava assim, este lugar grotesco, seco, cheio de ervas e animais mortos. O jardim estava morto também. Decidi me dedicar apenas ao cemitério de meus pais. As minhas irmãs descuidaram-se do que mais me fazia lembrar os meus pais por pura vingança.
     -E os irmãos do mago sabem que o corpo dele está aqui?
     -Devem saber. Eles andam a minha procura.- disse Rosa com certa preocupação nos olhos.
     - Entendo como a sua história é triste e a tua postura é muito corajosa perante toda esta tristeza. – disse Oyá
     - Epahei Iansã! Dona das tempestades, raios, ventanias e da morte. Com a sua espada e eruesin irás vencer todas a batalhas! Tu és ar em movimento e fogo constante. Oxum carrega sempre o seu abebe disfarçado em leque. Mira-te no espelho dela e o feitiço tomará caminho! – Gritou Rosa repentinamente assustando Oyá que de repente se partira em duas e tomara a forma nebulosa do fogo e do vento. Oyá era a bela Iansã a despedir-se do último fio de raio solar da tarde. Em segundos o crepúsculo tomou conta da aldeia de Aruanda e Rosa entrou para dentro de seu casebre enquanto Oyá montava o seu cavalo rumando para casa, tomada pela força da Iansã que morava dentro de si.

(Excerto do livro "Quando os Orixás pisavam a Terra" escrito por Marcella Reis )

Capítulo III
Rosa Caveira do Cruzeiro

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 Parte 1
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O pedido de Oyá



     Iansã estava disposta a reconquistar a atenção de seu marido Xangô. Passando pela cozinha viu Oxum que com certa desconfiança perguntou a guerreira a onde esta iria.
     -Vou para a floresta caçar. Os ventos me assopram que há um javali bem grande a percorrer pelas folhagens. – respondeu Iansã um pouco desconcertada. Porém Oxum acreditou, pois sabia que Oyá era uma das melhores caçadoras de toda aquela região.
   Era quase tardezinha, hora em que o sol ficava mais pleno e laranja em toda a sua vida diurna. Oyá caminhou bastante, mas não foi para os lados da floresta. Com o seu cavalo galopou rumo as terras abastadas que pertenciam a um pedaço esquecido da vila Aruanda.
     Desceu do seu cavalo que tinha a cor da crina laranja do sol desta tarde quente e abrisada.
     -É aqui - disse tendo a certeza de que se tratava da fazenda em que Rosa Caveira morava.
     O lugar estava seco, mal tratado. No terreiro havia montes de galinhas pretas a ciscarem o chão repleto do nada. Havia um poço que cheirava a enxofre e do lado o casebre gasto e encardido. Em cima dele uma chaminé improvisada a soltar com a fumaça o cheiro de um monte de ervas misturadas.
     A porta do casebre abriu-se e revelou por detrás da grosseira e descascada porta de madeira uma mulher alta e muito magra com os cabelos loiros a escorrerem-lhe pela cintura.
     -Ora, ora, se não é a senhora das tardes...
     Iansã olhou-a corajosa.
     -Já esperava pela sua visita cabocla.
     - Trouxe vinho e este ramalhete de rosas amarelas.
     -Cigarro?
     -Também – disse-lhe entregando um maço de cigarros.
     As duas se analisaram. Oyá achou a moça muito magra. As maçãs do rosto afundavam-se para dentro, e o olhar grande e amarelado dela se perdia no meio da face triste, mas não desmazelada. Rosa Caveira usava um vestido negro e vermelho, carmim nos lábios e um forte risco negro nos olhos. As unhas eram grandes e pintadas de vermelho sangue. O cabelo era bem tratado como um tecido fino de seda. Rosa Caveira achou Oyá uma lástima, uma bela e mágica lástima.  O sol fazia o cabelo de Oyá ficar da cor de um pôr de sol e o vento bonito balançava os trapos que a deusa da tarde usava e ela também ficava bonita
     -Rosa Caveira do Cruzeiro... Eu quero acabar com a Oxum!
     - Veja bem... Oyá, eu não posso acabar com ninguém. Principalmente com alguém tão poderoso e caprichoso como Oxum. – disse enquanto acendia um cigarro.
     - Não pode?- perguntou Oyá
     - Nega bonita e dengosa está ali... Mulata forte, destemida, amada...
     - Eu não vim aqui para ouvir outra pessoa fazer elogios à minha rival!
     - Quanta raiva, senhora das tardes...- disse em tom de ironia. Abriu o vinho com a força das unhas empurrando assim a rolha para dentro e beijou a boca da garrafa.
     - Vou te contar uma história menina...  Eu nasci num lindo dia de primavera, num jardim muito grande de rosas vermelhas e amarelas.  Neste jardim estão enterrados todos os meus antepassados. E, bem,o parto foi muito difícil. Minha mãe pensou que ambas iríamos morrer. Foi quando uma caveira saiu de baixo da terra e ajudou a minha mãe a dar à luz.
     Oyá olhava para Rosa com incrédula fé, de olhos grandes e esbugalhados.
     -Ela me tirou de dentro do ventre da minha mãe e a minha mãe com a única força que lhe restava arrancou do chão um molho de rosas amarelas e botou no peito da caveira.
      “ Sei que és tu, minha mãe. Tu saístes do teu sono eterno e pedistes ordem a Omolú para que em morte te trouxesse para vida só para ajudar a mim e a tua neta. Eu batizo esta criança de Rosa, para lembrar este campo santo repleto de flores vermelhas e amarelas e de nossos antepassados. Caveira, forma como tu vistes nos aviar socorro. Cruzeiro porque é aqui que se cruzam todas as almas e pela  tua bondosa alma ter -se cruzado com as nossas neste momento oportuno. Eu a batizo de Rosa Caveira do Cruzeiro”
    Rosa falava esta palavras enquanto estava num transe profundo.Oyá olhava a mulher e via na suas pupilas amarelas uma cruz à sombra de uma caveira.

( "Quando os Orixás pisavam a Terra" escrito por Marcella Reis/ Pinturas Nide Bacelar)















Capítulo I
Oxum e Xangô
   


Oxum estava na beira do rio a pentear os seus longos cabelos negros e enrolados com as suas longas unhas. As águas prateadas serviam-lhe de espelho e o barulho da cachoeira fazia o seu corpo balançar por sobre a pedra lodeosa. Oxum levantou-se da pedra e dourou-se no sol. Seus olhos eram esplendorosamente da cor do mel. Os beija-flores que avistavam as suas pupilas, tentavam chegar mais perto do seu olhar confundindo-o com o miolo das flores.
     Oxum era a rainha da beleza e da sensualidade. Era a deusa do amor. Todos os homens gostavam de estar perto dela por que ela era divertida e inteligente. Mas Oxum só tinha olhos para seu marido Xangô, homem temido e respeitável, porém justiceiro e tão vaidoso quanto a sua esposa.
     Toda manhã ela tomava banho nua na cachoeira e depois Xangô aparecia para espiá-la. E como era bonito de ser ver aquele corpo negro se misturando no véu da cachoeira. Era como se ela fosse noiva todos os dias e o seu casamento e a sua vida se renovasse através das águas doces que desciam das entranhas das pedras.
     Xangô saiu por detrás dos arbustos e pulou nas águas como se uma flecha fosse. Oxum olhou para as águas já sorrindo. Parecia que ela tinha arrancado todas as pérolas do mar e feito-as morar na sua boca escura.
     Xangô saiu do profundo do rio e agarrou as pernas de Oxum com toda a força que tinha no seu amor:
      - Quero te dar um filho, Oxum. E ele será tão forte como o pai!
     Oxum abriu as suas longas pernas e o seu sexo humidecido, parecia a cachoeira em que há minutos atrás tomara banho.
     -Venha meu nêgo! Me dá então mais esta felicidade!
     - Sabes bem que para mim nunca haverá esposa como você.
     - Nem Oyá? – perguntou a bela mulher
     - Ela foi a minha primeira esposa, mas você é quem  é a primeira no meu coração. Quero te dar um filho antes de partir para a guerra.
     Oxum demonstrou-se preocupada:
     - Você acha que haverá guerra?
     Xangô olhou no fundo dos olhos apaixonados de sua mulata e confortou-a:
      -Eu só estou preparado para o que der e vier. Você sabe bem que se ouver alguma guerra não posso me curvar. E cada Orixá tem o seu destino. Nós dois sabemos que mais cedo ou mais tarde...
     Oxum abraçou o seu esposo e concluiu:
     - Só espero que seja tarde.
     Xangô entrou dentro dela com voraz apetite e devorou dela todo o seu desejo. Tirou da mulher todas as suas forças e no fim deixou-a gozar o seu cançasso na beira do rio onde o suor se misturava com a nescente.
     De noitinha, a comida estava pronta. O peixe estava coberto pelas folhas de bananeira que ela mesma colheu e escolheu. O peixe era o que o seu homem pescara de tardezinha.
     Ninguém cozinha como Oxúm! – elogiou o guerreiro satisfeito.
     Oyá, também nomeada por Iansã por seu também esposo Xangô, olhava o marido com o rabo dos olhos.
     -Hoje é noite de Iansã, Xangô!- replicou Oyá
     Oxum olhou nos olhos de Xangô para ver a resposta do marido:
     - Xangô tem cançasso no corpo. Hoje eu durmo na rede com o bater do sereno no corpo – disse ele
     Iansã baixou a cabeça e Oxum sorriu para as pulseiras douradas que usava, como se a beleza delas rissem sozinhas para ela e caçoassem da pobre Oyá.
     De madrugadinha, Oxun foi até a rede em que o marido estava e colocando de lado a sua machadinha, amou-lhe uma vez mais, serenando o seu corpo cansado e destruíndo-lhe todas as forças que lhe imperavam. Ele então balbuciou:
     - Só por ti, minha querida Oxum, eu perderia a minha bela cabeça de guerreiro. Só você,  oh, minha bela mulata, sem arma nenhuma, pode me desarmar desalmadamente...
     E assim, entregues ao amor e a desconfiança da primeira esposa, eles dormiram na grossa e aconchegante rede da grande varanda amparada pela noite calma e pelo extenso quintal da propriedade.



(Quando os Orixás pisavam a Terra, autora Marcella Reis/ Pinturas Nide Bacelar)

    
Marcella Reis, nos seus gostos musicais e culturais é bastante eclética e isso é enfatizado pela sua forma dinâmica e diversificada de escrever. De leves poemas enfeitados de palavras além de bonitas, reais e profundas, a escritora que tem o coração luso-brasileiro, sente um grande à vontade à mirabolar histórias eróticas, tanto quanto bizarras. Deste modo, ela uniu o ficcional ao erotismo e através de um profundo estudo e pesquisa do Candomblé e sobre a lenda dos Orixás, é que decidiu escrever uma obra em homenagem a esta cultura africana muito bem enraizada e representada na Bahia.
As belas e inspiradoras pinturas da ilustre artista plástica Nide Bacelar, foram concedidas pela mesma à escritora, a fazerem parte deste culto ao misticismo e à volúpia no imaginário envolvente na história.
 
"Cara Marcella,
 
   Muito honrada estarei em contribuir com ilustrações para sua obra que se mostra enriquecida de significados culturais, interessante, de leitura fluente e agradável, sabe prender a atenção do leitor. Inclusive, gostaria de poder obter a leitura completa da obra. Qual a referência? Onde se poderá encontrá-la?
 
         Estou sempre à sua disposição caso queira dispor de mais alguns de meus trabalhos, sinto-me envaidecida por ter sido escolhida para contribuir com tão grandiosa obra.
 
                                                                             Um grande abraço,
 
                                                                                                                        NIDE"
Caros bloguers e assíduos leitores, aqui poderão encontrar fragmentos da obra "Quando os Orixás pisavam a Terra" e algumas das belas pinturas da nobre Nide Bacelar que inspiraram Marcella Reis na criação da obra, por enquanto, ainda não concluída.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Pequeno excerto do Livro "La Strada" de Marcella Reis...
Um conto cheio de erotismo e absoluto instinto confuso.
O final dessa história bizarra, apesar de já existir, ainda não será postado  para aguçar a imaginação dos mais curiosos... 

  "Esta história que vou contar-vos agora, não é uma história inventada. Aconteceu mesmo, mas parece que foi inventada, mas, não foi. Só o título dela é que foi inventado, mas o acontecido não foi nenhuma lenda.
     José Carlos era um homem normal. Tinha a profissão de electricista, tinha mulher e filhos, uma casa com cachorro e quintal para ele correr e escavar a terra. A mulher era uma dona de casa comum que vivia pela família e trabalhava com salgados e doces para festas.As mãos dela eram grossas de tanto bater o ovo e a massa dos bolos que muita gente encomendava e de amassar a massa dos enroladinhos. Os dedos eram ásperos e e gordos como o cabo da vassoura que varria o terreiro todos os dias. José Carlos adorava aquelas mãos ásperas de cozinheira e de dona de casa. Parecia que a epiderme do tacto de sua mulher eram farpas a picarem o seu pénis, e ele sentia imenso gozo nisso no acto sexual. Aquele lixar de pénis era a sua maior satisfação. Quando a mulher adoeceu e teve que ser operada da coluna e não podia pegar tanto peso, José Carlos notou que com o afastamento da mulher e a contratação de uma nova empregada para os afazeres domésticos, as mãos da sua mulher Amélia foram ficando mais macias e ele não conseguia deixar o pénis tão erecto como dantes. Foi então que ele lembrou-se que na sua caixa de ferramentas  havia uma lixa pequena e uma outra maior. Preferiu começar pela menor. Só a ideia de pensar na lixa já o deixava teso. Começou a raspá-la no seu pénis ao lembrar-se ao mesmo tempo de sua mulher com as pernas bem abertas e depois em posição de cócoras. A sua ejaculação foi rápida e precisa e depois disso precisava demais do mesmo todas as manhãs antes de trabalhar. Passaram-se  dias até que a lixa ficasse toda gastada. José Carlos colocou-se contente, pois a lixa grande já o esperava. Passava a lixar o pénis de manhã, depois do almoço e depois do jantar. Passou a fazer colecção de lixas, e já se masturbava com a lixa em pleno horário de trabalho. Amélia procurava José Carlos e ele já começava a se esquivar dos carinhos doces e macios da mulher.
Um dia, na hora do almoço, entrou pela casa que estava toda molhada. Ele ia quase escorregando, quando a mão áspera e grotesca da empregada negrinha tocou os seu braços.
     -Não caia dotô!
     Nesta mesma hora o pénis de José levantou-se numa fúria enorme. Olhou a negrinha nos olhos e sentou vontade de pegar nas mãos dela e sacudi-la no seu orgão.
     -A sua mulé saiu ainda a poco. O sinhô dotô percisa de alguma coisa. A comida tá na mesa.
     -Eu... não tenho fome Lurdinha. Vou tomar um banho.Com licença.
     Ele saiu meio tonto ainda a pensar na mão negra e por baixo branca amarelecida da negrinha. Entrou para o banho com o pénis ainda para cima.
     Nunca havia reparado nas mãos da sua empregada doméstica. Começou a reparar nas mãos de outras mulheres. A maioria tinham as mãos leves e macias. Então começou a reparar nas mãos do homens. Estas sim lhe davam tesão. Eram largas, ásperas e fortes. Preferia olhar para a mão dos pedreiros e carpinteiros. Mas ele gostava mesmo era de mulher. As mãos lhe suscitavam prazer, mas a imagem de um homem a mexer no seu sexo fazia-lhe brochar totalmente. (...)"

Intimidade entre estranhos

Tu abres a porta de fora
Os cachorros sentem que tu chegas
Um presságio em mim pede para eu pegar na vassoura e parar de ver o desenho animado de que tanto gosto.
Tu me sorris friamente e eu tenho a noção
de que aquele sorriso foi mais quente.
Mais quente que o sol do verão do Brasil.
Tu sentas calado, quedo
e dentro de mim, esqueço-me de que
um dia tu falastes tanto de ti
que até me estafei

Antes bebíamos juntos…
Hoje embebedo-me sozinha
Antigamente, tu elogiavas a minha comida
e eu a fazia com mais apreço.
Hoje comemos a comida fria,
como a dobrada fria que Álvaro de Campos em tempos comera
ao revisitar Lisboa.
Tu? Será que tu revisitas o meu coração ainda?

Tenho saudades das tuas lembranças
e horror do teu presente
É honrado o teu passado
e terroroso o teu instante, neste instante…

Tu perfuras como um prego enferrujado as minhas entranhas
Despenso-te,
pois tenho medo do tétano!
Já me basta a paralisia infantil de não saber mais amar!

A cama é um gelo
Teus pés, dois cubos enormes
mas se derretem na madrugada
no meu corpo quente de desejo
Mas não pelo teu!

Tu tomas banho
Eu escuto o cair das águas
e imagino-me no meio da chuva, solitária,
longe dalí!

Oh, Dalí!
Quem sabe tu estarias bem mais perto de mim!
Quem sabe, a tua surrealidade
estaria bem mais perto
do que a dura realidade
dessa intimidade entre estranhos!

A Atraente
Não vou negar que tenho medo de ti,
Medo das tuas unhas atraentes e macias,
Do teu manto leve e fresco,
Da tua boca vermelha e carnuda,
Do teu vestido acetinado e
Do teu guarda-fatos retangular, polido e invernizado na mais nobre madeira

Tenho medo da tua pele cor da terra vermelha do Brasil e
De que tu enterres na tua epiderme as pessoas que mais amo
Não tenho medo que tu me leves para dentro de ti
Mas é conflituoso o que a nossa noite de amor acarreta

Prometa-me que não me trairás e que terás somente a mim
Que não beijarás tão cedo os meus amigos e os meus seres mais amados
Promete-me isto em silêncio e segreda-me o mistério nunca dantes desvendado

Prometa-me que quando me levares para dentro de ti,
deixarás que eu escreva cartas e que eu veja os meus familiares de longe
Promete-me que será me ás fiel e que ninguém sofra pela minha ausência

Tu irás chegar de mansinho e não degradarás o meu corpo
Uniremo-nos ao soprar doce do vento e iremos embora com a chuva
Não deixarás que o meu perfume fique empregnado nas minhas roupas
Pois elas serão de uma pessoa que precise mais do que eu
Por que eu serei da água, do fogo, da terra e do vento
Seremos as duas os quatro elementos e nos alimentaremos da luz infinita do sol e
Quando eu estiver preparada para regressar,
Far-me-ás desabrochar de uma flor de cerejeira

Prometes-me isso,
Senhora Morte!
E eu não terei medo de ti!

Prometa-me que em  morte
Eu ainda estarei viva e
Façais juz à tua misteriosa beleza...

Tudo que era uma vez...será para todo sempre.