quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Este vídeo demonstra um pouco da personalidade extravagante da escritora Marcella Reis que é alegre, espontânea, adora dançar, ouvir música e ser ela mesma. Pelo seu jeito excessivo e por vezes até  exagerado na medida certa, foi considerada por muitos conhecidos dela como: "A tal espampanante".
Por também considerar-se exótica e invulgar, é que ela decidiu escrever o texto  " A tal espampanante"
A tal espampanante
     
Dizem que sou espampanante. Que tenho as unhas mais compridas do que um escorrega que emborca. Que uso maquiagem de arco-íris nas pálpebras dos olhos e ando sempre com os dedos cheios de anéis mil.
     Se não coloco brincos que me façam cócegas nos ombros, sinto-me pelada. Aí isso sim, já é motivo para eu ser a tal espampanante.
     Meu cabelo nunca tem uma cor só e está sempre na moda mesmo estando fora dela.
     A Julianna é espampanante porque fala alto sendo educada, porque é chic mesmo sendo pindérica. Usa vestidos anos 50 que foram comprados na feirinha antiga dos domingos. Se veste de cupido em dias de São Valentim e come as castanhas do povo alegre de Marvão no São Martinho. Usa botas de cano alto e meias berrantes e a pesar de ter um brilho flamejante no olhar, coloca gliter nos olhos e usa dourado em pleno dia e prateado também.
     Dizem que sou espampanante. Bebo vinho na Praça da Figueira mesmo em baixo do cú do cavalo e fumo fechando o olho esquerdo puxado por um eye liner comprado em um chinês qualquer. Cantarolo na rua músicas antigas do meu coração e ouço roda de choro com os rapazes de Alfama e rio quando ouço fado.
     Tenho um jeito "moleca" de ser, com gostinho de sopa de Juliana de quando brincava de bonecas. Uso um sutiã mil vezes até ficar ensebado de poeira e suor e calcinha rasgada na vértice do tecido. A João, minha mestra de costura, me dissera que roupa interior rasgada era para o lixo. Imagina só então, se ela visse as minhas meias que se rasgam bem mesmo na unha do dedão do pé que, só de vez em quando corto e que encrava sempre por causa da unha grande e dos sapatos apertados de inverno.
     Mesmo assim, dizem que tenho a espampanância por causa do meu colo que é dourado e voluptuoso, por causa do sorriso esgueirado de lado e dos dentes para fora atrevidos e da boca fina que desata a falar sobre um monte de coisas e pessoas e do tempo e de tudo e de nada. Por causa da comida apimentada e cheia de feitiço e das cartas de tarôt e do modo hipnotizante e apaixonante de como as leio.
     Eu até me acho espampanante sim. Digo eu: “A Julianna é espampanante” e eu gosto desta palavra.
     Mas tem dias que eu só quero ter o rosto limpo e as unhas grandes mas sem o vermelho-tomate-maduro-berrante. Tem dias em que ao invés de cantar eu quero ouvir a voz dos outros. Tem dias em que a minha orelha pede sossego e não quer mais ser cabide de metal nenhum. Até mesmo de ouro e de prata. Há dias em que não quero colocar pimenta na comida e nem muito sal e só sentir o gosto que a comida tem sem o seu tempero.
      Há dias em que eu quero chuva e não sol, saudade e não saudação, silêncio e não elouquência.
     Há dias assim na minha vida. Que não uso anéis. Só mesmo o de compromisso. Há dias em que as estrelas não me emprestam o brilho nos olhos e até que bebo menos e fumo menos também.
     Tem dia que eu quero estar longe de Lisboa e do barulho e que ando mais rija e menos faceira e rebolante e que meu cabelo tem a cor de um vidro embaceado da janela de um carro apertado e cheio de gente.
     Nesses dias as pessoas dizem: “A Julianna espampanante está triste.”

(Divagações de uma Julianna chamada Marcella, excerto de sua obra La Strada)

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