sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

 Conto erótico... ou o chamado; Realismo sujo:
 O estupro



 - Tire a roupa!- ordenava uma voz grossa e impetuosa
Diante da voz masculina estava uma mulher ajoelhada ao chão com os lábios pintados de sangue.
-Queres levar um outro murro nessa tua cara ordinária? Queres? -perguntava a voz escondida no escuro
A mulher chorava copiosamente.
- Eu adoro o teu choro... Dá-me mais tesão - dizia a voz, que aparecera por debaixo da luz vagabunda do poste, segurando  seu mastro por debaixo do fato de treino.
-Tira a roupa, vagabunda!
A mulher desabotoou o casaco.
- Que grandes tetas tens, sua vaca! Tira a t-shirt! Já! Agora! Quem me dera chover agora para que lhas pudesse ver arrepiadas e escuras. A chuva lamberia todo o sabor de tuas gulosas tetas, como a minha saliva fará agora.
 O homem aproximou-se da mulher machucada e lambeu-lhe os seios com a sua saliva de tabaco.
A mulher resistia, chorosa, ofegante.
- Eu acho que tu gostas da minha chupada, sua vacarrona!- berrava o homem teso
-Mamarás como um novilho, agora!- disse descendo as calças e empurrando a cabeça loira da mulher para o seu orgão fálico. 
A mulher não falava nada, mas repugnava o acto que o nojento homem a obrigava fazer.
Sem saída, engoliu o pénis cheio de veias, do estranho.
-Gostas, não gostas? Cheira-te bem? Hum? Aiiiii, eu  gozaria da tua cara e na tua cara agora! -disse gargalhando - Terias muita graça. Terias, terias... sua mulher gozada - trocadilhou
-Agora levanta-te
Ela obedeceu. Estava com a parte de cima à mostra. Usava umas apertadas gangas. O corpo da mulher era curvilíneo. Não era gorda, mas também não era magra.
- Tens cá uma barriguinha que eu vou te contar... 
A mulher encolheu-se.
-Tens vergonha do teu corpo? Tens cá uma barriguinha... E as mulheres não querem ter barriga. Tua barriga é boa!- gritava bafejando pelo ar o cheiro do seu absinto
O homem mordeu-lhe o ventre até ficar vermelho, roxo, marcado!
-Gostosa!'Stá aí o rótulo de gaja gostosa, boa. És gostosa demais sua cabra! Berra!! Faça mé, mé, mé!!- disse fazendo menção de lhe dar um pêro na cara. E então ela fez mé, mé para ele. Ele pediu um mé mas sensual. E ela murmurou mé mé, mais sensual. E o homem ejaculou bem gostoso e quando ele ejaculou ela teve um orgasmo também, quase que em simultâneo.
-Tais a ver como não é preciso penetração?- dizia o homem- Um dia como-te, mulher!- Afirmou sorrindo torto com os olhos negros já saciados do desejo.
A mulher limpou a boca machucada com um lenço de papel que costumava trazer em sua bolsa, que estava caída no chão. Vestiu o casaco e disse sorridente:
-Agora vamos embora Maurício, o nosso Carlitos já está a imenso tempo com a babysitting.- sorriu Alinne -Em casa comes-me, disse entregando a aliança ao marido e colocando a sua.
 Os dois saíram do beco escuro abraçados como um casal normal. E a voz impetuosa e grosseira, deu lugar à um homem preocupado com os negócios e com a sua família.




Castiçais:

 
   Esta história eu inventei somente para mim por que estava cansada de viver a minha própria. Inventei uma noite em que eu esperava você de cabelo molhado em que enxugava meu passado na mesa de madeira encerada e cheirosa. Comprei dois castiçais numa feirinha qualquer., um preto e o outro vermelho. Os dois se casaram tão bem...
A chuva caia lá fora e era a canção mais assombrosa e feliz que alguma vez já ouvira. Você tocou a minha campanhia e eu abri a porta de roupão. Você trazia uma ramo vermelho de flores e um vinho frutado. Tomamos ele numa taça balão bem grande e falamos sobre as nossas vidas. Abri a janela para que sentíssemos a pureza fria do vento juntos. Você me olhava na escuridão clara da lua que perfilhava o seu rosto como uma pintura cheia de texturas indecifráveis. Senti aquele arrepio louco que há muito tempo não sentia na espinha e no estômago a correr até o coração.Senti uma droga escorregar pelos meus pulsos. Vontade de beijar a tua boca e conversar ao mesmo tempo. Vontade de te escutar a noite inteira e de te fazer me ouvir. 
Deliciosamente engolir a tua quente respiração.Vontade de me abstrair do mundo todo e abrir as minhas cochas sem medo de ser feliz. De enfiar meus dedos na minha vagina e perfurar a minha vergonha matuta. Eu abri as minhas pernas, sem medo mesmo, porque era a minha oportunidade de fazê-lo naquele momento, porque esta era a história que eu inventei para mim e daí eu podia fazer tudo que eu quisesse. Tudo mesmo. Eu abri as pernas e estava sem calcinhas. Eu te reinventei louro e tinha os cabelos pela metade dos ombros. Escrevi você me agarrando com uma força milimetricamente medida. Uma força macia que massajava a minha tesão. Então a gente fez amor, fizemos sexo, fizemos paixão, fizemos aventura. Fizemos de tudo. Até Dançar encaixados, pénis e vagina. 
Nós dançamos e tudo teu dançou dentro de mim. Bossa nova no meu clítores, rock holl nos meus pelos púbicos, bolero na minha bunda, tango nas minhas virilhas, lambada nos meus quadris, carnaval no meu corpo inteiro. 
Beijo na boca, tanto beijo na boca a gente  deu até a minha língua ficar dormente. Beijo molhado, seco, duplo, com gelo, sem gelo, quente, beijo de tudo quanto era jeito. Puxão de cabelo, chamêgo. Tudo ali naquela sala a gente fez. 
Eu vivi tudo isso nesta história que eu inventei. Traí meio mundo. Bebi sem me embebedar quatro garrafas de vinho. Comi e comi-te sem me estafar. Dormi nos teu braços ao cansaço do sabor da vitória. Acordei de toda esta loucura quando vesti novamente o meu roupão e parei de escrever iluminada pelos dois castiçais comprados numa feirinha qualquer e com meus dois dedos húmidos.

 (Excerto Estória das histórias de Julianna de La Strada escrito por Marcella Reis / desenho de Marcella Reis)









quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Este vídeo demonstra um pouco da personalidade extravagante da escritora Marcella Reis que é alegre, espontânea, adora dançar, ouvir música e ser ela mesma. Pelo seu jeito excessivo e por vezes até  exagerado na medida certa, foi considerada por muitos conhecidos dela como: "A tal espampanante".
Por também considerar-se exótica e invulgar, é que ela decidiu escrever o texto  " A tal espampanante"
A tal espampanante
     
Dizem que sou espampanante. Que tenho as unhas mais compridas do que um escorrega que emborca. Que uso maquiagem de arco-íris nas pálpebras dos olhos e ando sempre com os dedos cheios de anéis mil.
     Se não coloco brincos que me façam cócegas nos ombros, sinto-me pelada. Aí isso sim, já é motivo para eu ser a tal espampanante.
     Meu cabelo nunca tem uma cor só e está sempre na moda mesmo estando fora dela.
     A Julianna é espampanante porque fala alto sendo educada, porque é chic mesmo sendo pindérica. Usa vestidos anos 50 que foram comprados na feirinha antiga dos domingos. Se veste de cupido em dias de São Valentim e come as castanhas do povo alegre de Marvão no São Martinho. Usa botas de cano alto e meias berrantes e a pesar de ter um brilho flamejante no olhar, coloca gliter nos olhos e usa dourado em pleno dia e prateado também.
     Dizem que sou espampanante. Bebo vinho na Praça da Figueira mesmo em baixo do cú do cavalo e fumo fechando o olho esquerdo puxado por um eye liner comprado em um chinês qualquer. Cantarolo na rua músicas antigas do meu coração e ouço roda de choro com os rapazes de Alfama e rio quando ouço fado.
     Tenho um jeito "moleca" de ser, com gostinho de sopa de Juliana de quando brincava de bonecas. Uso um sutiã mil vezes até ficar ensebado de poeira e suor e calcinha rasgada na vértice do tecido. A João, minha mestra de costura, me dissera que roupa interior rasgada era para o lixo. Imagina só então, se ela visse as minhas meias que se rasgam bem mesmo na unha do dedão do pé que, só de vez em quando corto e que encrava sempre por causa da unha grande e dos sapatos apertados de inverno.
     Mesmo assim, dizem que tenho a espampanância por causa do meu colo que é dourado e voluptuoso, por causa do sorriso esgueirado de lado e dos dentes para fora atrevidos e da boca fina que desata a falar sobre um monte de coisas e pessoas e do tempo e de tudo e de nada. Por causa da comida apimentada e cheia de feitiço e das cartas de tarôt e do modo hipnotizante e apaixonante de como as leio.
     Eu até me acho espampanante sim. Digo eu: “A Julianna é espampanante” e eu gosto desta palavra.
     Mas tem dias que eu só quero ter o rosto limpo e as unhas grandes mas sem o vermelho-tomate-maduro-berrante. Tem dias em que ao invés de cantar eu quero ouvir a voz dos outros. Tem dias em que a minha orelha pede sossego e não quer mais ser cabide de metal nenhum. Até mesmo de ouro e de prata. Há dias em que não quero colocar pimenta na comida e nem muito sal e só sentir o gosto que a comida tem sem o seu tempero.
      Há dias em que eu quero chuva e não sol, saudade e não saudação, silêncio e não elouquência.
     Há dias assim na minha vida. Que não uso anéis. Só mesmo o de compromisso. Há dias em que as estrelas não me emprestam o brilho nos olhos e até que bebo menos e fumo menos também.
     Tem dia que eu quero estar longe de Lisboa e do barulho e que ando mais rija e menos faceira e rebolante e que meu cabelo tem a cor de um vidro embaceado da janela de um carro apertado e cheio de gente.
     Nesses dias as pessoas dizem: “A Julianna espampanante está triste.”

(Divagações de uma Julianna chamada Marcella, excerto de sua obra La Strada)
Eu sou

Eu sou aquela que você não viu nascer
Sou a morte e a vida
O amargo da língua,

Sou a tua mãe e tua prima,
Tua esposa e também inimiga
Sou a tua embriaguês
O teu tacto e o teu faro
Sou a resposta e a dúvida,
O asco e o perfume

Sou a tua bicicleta e a tua bengala,
O cigarro que o teu pulmão inala
Sou o gelo, o fogo,
O filho, o beijo quente
Eu sou o sexo, o amor
Sou o ópio, a erva, o odor
Sou a senhora e seu senhor
Sou cobra, camaleão,
Sou a rosa e seu botão,

Sou o cravo, a bola,
A briga, a violência
Sou a pérola dada aos porcos
Eu sou o verão, o inferno
O céu e o etéreo

Sou faca de dois gumes
Sou aço, sou ouro
Sou bota de couro

Eu sou o sertão,
A amazónia,
Sou o jacaré
Sou a macedónia
Sou Juliana, Mariana
José, sou Francisco,
Carlitos e Mané

Eu sou a doença, a cólera profunda
A tinta do cabelo e o cabelo também
Eu sou a sede, a água, o braço, a unha, o espelho, a rocha, a lupa

Sou Flamengo, sou São Paulo
Sou Janeiro até chegar Dezembro
Eu sou setembrista e Marcelista,
Sou Caetano e Buarque,
Sou Veloso e Joana D’arc
Sou o Ruca, sou o Noddy e o Lula tambérm

Sou a rapidez e a vagareza
Sou o paradoxo e também a proeza
Sou a vergonha, a sátira
Sou vagabunda, sou comportada
Sou leviana
Sou reta, sou torta, paralela,
Sou bicetriz e imperatriz
Sou poética, sou vulgar
Sou culta, impopular
Sou descida, sou subida
Sou o tudo e o nada me guarda

Sou a inércia e a dança
Sou o mar e o espaço,
Estrela do céu e do mar também
Sou toda gente e não sou ninguém

Sou triste e feliz
Professora e aprendiz
Sou música e o silêncio
Sou o apito, o grito, a primeira e a última
Sou personagen e também sou real
Sou a capoeira e os escravos e também o carnaval

Sou a missa do galo,
O padre, o ateu,
Sou o natal e a aversão à datas
Sou o retrato, o pobre, o rico, o cheiroso e o fedido
Sou Patrício. Sou Judeu
Sou tudo isso!
E ainda sim,
ninguém sabe quem sou eu


(Poema da Obra "Era uma vez a Poesia..." de Marcella Reis pela Chiado Editora)














 Capítulo IV
Nanã 

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Parte 2
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Oxalá eu tivesse um filho teu!


  “  No início o mundo e as coisas eram formadas por pântanos e águas. Somente por isso o mundo era rodeado e feito. Nós orixás vivíamos em orum e só de vez em quando desciamos à terra, nome que os humanos costumam dar a ayê. Foi então que Olorum, o nosso senhor chamou Oxalá e confiou-lhe  a tarefa de criar e dar terra firme ao mundo. Olorum cedeu a Oxalá um pombo, uma galinha com pés de cinco dedos e uma concha de águas. Oxalá foi até ao pântano e pousou a concha, soltando assim a galinha e o pombo que ciscaram toda a terra que misturou-se na água formado uma espécie de barro. Olorum enviou então dos céus um camaleão para saber se Oxalá havia conseguido realizar o trabalho que havia lhe dado. E de certo que ele conseguira. Oxalá teve a honra de criar o homem e a mulher através do barro que havia no pântano e Olorum soprou-lhes para dentro da boca e deu o ar da vida aos orixás e a todos os seres humanos. Foi uma felicidade só para os deuses e para os humanos.              
     Quando jovem, Oxalá era conhecido como Oxaguiã.  Eu era considerada a grande deusa guerreira das Bahias. O moço divino, morava num reino muito bonito, reino este que eu como boa guerreira , tinha a pretenção de conquistar. Mas ao chegar ao reino e ver aquele moço tão belo acabei por me apaixonar por ele no momento em que o mirei.  Declarei-me para ele e qual não foi a minha desilusão, quando ele me disse que o seu coração já pertencia a uma outra mulher. Eu lhe perguntei que mulher era esta. Ele me respondeu que... bem. Era uma sereia. Ele só havia me dito isso. Eu perguntei-lhe o nome dela e com medo de que eu lhe fizesse algum mal a ela, não me dissera. Desisti de atacar e conquistar o seu reino e todos os dias campeava por lá só para admirá-lo e descobrir quem era a sua esposa.
     Numa noite muito azul e prateada do mais cintilante luar, eu resolvi seguir  Oxaguiã e o vi caminhando para a praia  Bonita daqui da Bahia. Ele ficou durante muito tempo sentado na areia, admirando as ondas que iam e voltavam para os seus pés. As espumas das ondas iam se juntando nas suas pernas cada vez mais, como se fossem um véu prateado. De repente, um rabo de peixe apareceu pelo alto da espuma e voltou a esconder-se entre ela novamente, até que uma explosão leve de água aconteceu em todo o corpo dele,  espirrando até em meu rosto que estava alguns metros distantes dalí. No mais absurdo do inacreditável, aquela espuma líquida transformou-se num tecido branco e esvoaçador. E o mar tomou a forma azul de um mundo de cabelo. Ao meio de todo aquele emaranhado de vestido e cabelos ondulantes, apareceu do escondido, o corpo escultural e a face perfeita de uma sedutora e venusiana mulher, pronta para amar e ser amada pelo meu amado Oxaguiã.
     Daí por diante, eu percebi que Oxaguiã casava-se todas as noites com aquela mulher do mar que usava um véu feito de espuma e cabelo de água. E que todas as noites era a sua lua de mel e que... todas as noites também, ela dava luz a milhares de filhos dele. Na verdade, ela dava a “Lua” a milhares de peixinhos. Fiquei boquiaberta! Não podia acreditar numa coisa daquelas. Mas era mesmo verdade. Os filhos deles era simplesmente... peixes!
     Com tudo isso, eu fiquei obcecada em dar um filho ao homem que tão platónicamente eu amava. Eu queria dar a ele filhos que não fossem peixes. E passado 9 dias e 8 noites em que o episódio com a mulher- peixe se repetia, eu invadi o seu quarto numa madrugada e supliquei-lhe que me desse um filho. Ele reclinou-se ao meu pedido. E disse que não podia dar um filho a quem ele tinha quase como uma filha. Ele contou-me que ele havia criado o meu corpo e o modelado do barro de um mangue. Eu havia sido a primeira mulher-deusa a ser modelada por ele.  E depois que ele me fizera emprestei-lhe do meu barro para a criação dos seres humanos. Havia tanto mistério dentro do meu ser que até para mim era um mistério tudo isso não ter sido nunca recordado.Ele era o meu co-criador. Então eu lhe disse sorrindo:
     - Segundo a crença de alguns humanos, Adão foi criado do barro e foi o primeiro homem a pisar na terra. Da costela deste homem foi feito Eva. Costela esta que era barro do corpo de Adão. Tu foste o primeiro Orixá a pisar a terra e eu a primeira a ser feita. É justo que me tomes. É justo que recebas também o meu amor. Dar-te-ei um filho de verdade. E por teres me moldado, não serei a tua segunda esposa, mas a primeira.
     Dizendo estas palavras abracei-o com força e o seu corpo divino fundiu-se ao barro do meu corpo, mangue forte e enamorado e nesta madrugada eu lhe revelei todos os meus mistérios...
     ( "Quando os Orixás pisavam a Terra" escrito por Marcella Reis/ Pinturas Nide Bacelar)