terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Capítulo III
Rosa Caveira do Cruzeiro
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Parte 2
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O feitiço

  
   Rosa Caveira do Cruzeiro saiu do transe em que estava e pediu para que Oyá a seguisse. Com muito receio e medo Oyá o fez. Atrás do velho casebre e de toda aquela tristeza apodrecida e seca estava resguardado um belo jardim repleto de rosas amarelas e vermelhas e plantas rasteiras verdejantes. Oyá não podia crer no que os seus olhos viam. Era um contraste absurdo entre um jardim-paraíso e um monte de terra repleta de milho seco e gado morto.
     Rosa Caveira do Cruzeiro estava mais bonita alí, no meio de todo aquele jardim calunga.
     - Eu sempre fui diferente das minhas irmãs. Todas elas casaram-se com agricultores da Região da Bahia. Grandes agricultores eu diria. Mas eu nunca quis me casar ou me prender a alguém. Desde pequena me empenhei em saber de todos os feitiços de ayê e orum. Tudo o que os meus pais sabiam eu tentei aprender. Eles eram grandes feiticeiros e sábios. E, acabei me tornando uma grande feiticeira também. A minha irmã mais velha não suportava o apreço que os meus pais tinham por mim e eu por eles. E por inveja ela matou os meus pais com um feitiço de magia negra.
     -E você, o que fez?- perguntou Oyá receando a resposta que sairia dos seus lábios em formato de coração.
   - Eu a matei! Não tenho gosto em dizer isso e nem em tê-lo feito. Raiva só traz o mal e a morte dela não trouxe de volta vida aos meus pais. É por isso que tem que se tomar cuidado com o que se pede ou com o feitiço que se faz.
     Oyá começava a entender o reclinamento de Rosa ao seu pedido.
     - Depois que matei a minha irmã, todas as outras passaram a me tratar de forma cordial. Nunca mais se atreveram a me mal tratar ou a me fazerem mal. Eu decidi sair daqui com apenas 19 anos. Peguei a estrada do mundo. E numa destas minhas andanças eu me cruzei com um mago. Um velho mago. Juntos percorremos várias aldeias e as livramos da tirania de grandes senhores feudais. Livramos cidades da peste e magia negra.  João Caveira foi meu único e grande amor.  Quando o conheci ele tinha 60 anos.  Mas eu nunca enxerguei velhice naquele homem. Aliás, ele nunca pareceu ter a idade que tinha. Ele, junto com seus quatro irmãos me ensinaram milhares de feitiçarias. Sei tudo que pode ser feito com ervas, perfumes, poções e tudo que se pode fazer num cruzeiro. Aprendi tudo isso com ele e com a minha falecida mãe. Um certo dia eu tive a visão de que as minhas irmãs preparavam a minha morte através de um feitiço e antes que este pudesse chegar até mim eu usei o feitiço do espelho e a maldição se voltou contra elas matando-as todas. E... o feitiço se voltou contra o feiticeiro. Uma feiticeira tem que tomar cuidado a quem direcciona o seu feitiço. Oxum é forte e tem sempre um espelho na mão direita. Eu não ouso jogar feitiço algum na mulata de Xangô.
    Oyá abaixou a cabeça desconsolada e envergonhada com a sua atitude. Rosa continuou a falar:
     - Eu não faço feitiços negros, muito pelo contrário, eu só faço feitiços brancos. Eu sei que todos me chamam de mulher-demónio só por que uso o crânio de uma caveira com uma rosa amarela no maxilar dela para fazer todas as minhas magias e porquê vim ao mundo as mãos de uma caveira. Caveira esta que me visita todos as minhas primaveras. Caveira esta que é a minha adorada avó.
     Oyá olhava Rosa Caveira agora sem medo e com maior respeito.
   -E o que aconteceu ao João Caveira?
    -Morreu aos 77 anos. Está enterrado aqui neste cemitério-jardim. Depois que ele faleceu eu voltei para esta terra  que os meus pais nos deixaram e estava assim, este lugar grotesco, seco, cheio de ervas e animais mortos. O jardim estava morto também. Decidi me dedicar apenas ao cemitério de meus pais. As minhas irmãs descuidaram-se do que mais me fazia lembrar os meus pais por pura vingança.
     -E os irmãos do mago sabem que o corpo dele está aqui?
     -Devem saber. Eles andam a minha procura.- disse Rosa com certa preocupação nos olhos.
     - Entendo como a sua história é triste e a tua postura é muito corajosa perante toda esta tristeza. – disse Oyá
     - Epahei Iansã! Dona das tempestades, raios, ventanias e da morte. Com a sua espada e eruesin irás vencer todas a batalhas! Tu és ar em movimento e fogo constante. Oxum carrega sempre o seu abebe disfarçado em leque. Mira-te no espelho dela e o feitiço tomará caminho! – Gritou Rosa repentinamente assustando Oyá que de repente se partira em duas e tomara a forma nebulosa do fogo e do vento. Oyá era a bela Iansã a despedir-se do último fio de raio solar da tarde. Em segundos o crepúsculo tomou conta da aldeia de Aruanda e Rosa entrou para dentro de seu casebre enquanto Oyá montava o seu cavalo rumando para casa, tomada pela força da Iansã que morava dentro de si.

(Excerto do livro "Quando os Orixás pisavam a Terra" escrito por Marcella Reis )

Capítulo III
Rosa Caveira do Cruzeiro

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 Parte 1
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O pedido de Oyá



     Iansã estava disposta a reconquistar a atenção de seu marido Xangô. Passando pela cozinha viu Oxum que com certa desconfiança perguntou a guerreira a onde esta iria.
     -Vou para a floresta caçar. Os ventos me assopram que há um javali bem grande a percorrer pelas folhagens. – respondeu Iansã um pouco desconcertada. Porém Oxum acreditou, pois sabia que Oyá era uma das melhores caçadoras de toda aquela região.
   Era quase tardezinha, hora em que o sol ficava mais pleno e laranja em toda a sua vida diurna. Oyá caminhou bastante, mas não foi para os lados da floresta. Com o seu cavalo galopou rumo as terras abastadas que pertenciam a um pedaço esquecido da vila Aruanda.
     Desceu do seu cavalo que tinha a cor da crina laranja do sol desta tarde quente e abrisada.
     -É aqui - disse tendo a certeza de que se tratava da fazenda em que Rosa Caveira morava.
     O lugar estava seco, mal tratado. No terreiro havia montes de galinhas pretas a ciscarem o chão repleto do nada. Havia um poço que cheirava a enxofre e do lado o casebre gasto e encardido. Em cima dele uma chaminé improvisada a soltar com a fumaça o cheiro de um monte de ervas misturadas.
     A porta do casebre abriu-se e revelou por detrás da grosseira e descascada porta de madeira uma mulher alta e muito magra com os cabelos loiros a escorrerem-lhe pela cintura.
     -Ora, ora, se não é a senhora das tardes...
     Iansã olhou-a corajosa.
     -Já esperava pela sua visita cabocla.
     - Trouxe vinho e este ramalhete de rosas amarelas.
     -Cigarro?
     -Também – disse-lhe entregando um maço de cigarros.
     As duas se analisaram. Oyá achou a moça muito magra. As maçãs do rosto afundavam-se para dentro, e o olhar grande e amarelado dela se perdia no meio da face triste, mas não desmazelada. Rosa Caveira usava um vestido negro e vermelho, carmim nos lábios e um forte risco negro nos olhos. As unhas eram grandes e pintadas de vermelho sangue. O cabelo era bem tratado como um tecido fino de seda. Rosa Caveira achou Oyá uma lástima, uma bela e mágica lástima.  O sol fazia o cabelo de Oyá ficar da cor de um pôr de sol e o vento bonito balançava os trapos que a deusa da tarde usava e ela também ficava bonita
     -Rosa Caveira do Cruzeiro... Eu quero acabar com a Oxum!
     - Veja bem... Oyá, eu não posso acabar com ninguém. Principalmente com alguém tão poderoso e caprichoso como Oxum. – disse enquanto acendia um cigarro.
     - Não pode?- perguntou Oyá
     - Nega bonita e dengosa está ali... Mulata forte, destemida, amada...
     - Eu não vim aqui para ouvir outra pessoa fazer elogios à minha rival!
     - Quanta raiva, senhora das tardes...- disse em tom de ironia. Abriu o vinho com a força das unhas empurrando assim a rolha para dentro e beijou a boca da garrafa.
     - Vou te contar uma história menina...  Eu nasci num lindo dia de primavera, num jardim muito grande de rosas vermelhas e amarelas.  Neste jardim estão enterrados todos os meus antepassados. E, bem,o parto foi muito difícil. Minha mãe pensou que ambas iríamos morrer. Foi quando uma caveira saiu de baixo da terra e ajudou a minha mãe a dar à luz.
     Oyá olhava para Rosa com incrédula fé, de olhos grandes e esbugalhados.
     -Ela me tirou de dentro do ventre da minha mãe e a minha mãe com a única força que lhe restava arrancou do chão um molho de rosas amarelas e botou no peito da caveira.
      “ Sei que és tu, minha mãe. Tu saístes do teu sono eterno e pedistes ordem a Omolú para que em morte te trouxesse para vida só para ajudar a mim e a tua neta. Eu batizo esta criança de Rosa, para lembrar este campo santo repleto de flores vermelhas e amarelas e de nossos antepassados. Caveira, forma como tu vistes nos aviar socorro. Cruzeiro porque é aqui que se cruzam todas as almas e pela  tua bondosa alma ter -se cruzado com as nossas neste momento oportuno. Eu a batizo de Rosa Caveira do Cruzeiro”
    Rosa falava esta palavras enquanto estava num transe profundo.Oyá olhava a mulher e via na suas pupilas amarelas uma cruz à sombra de uma caveira.

( "Quando os Orixás pisavam a Terra" escrito por Marcella Reis/ Pinturas Nide Bacelar)















Capítulo I
Oxum e Xangô
   


Oxum estava na beira do rio a pentear os seus longos cabelos negros e enrolados com as suas longas unhas. As águas prateadas serviam-lhe de espelho e o barulho da cachoeira fazia o seu corpo balançar por sobre a pedra lodeosa. Oxum levantou-se da pedra e dourou-se no sol. Seus olhos eram esplendorosamente da cor do mel. Os beija-flores que avistavam as suas pupilas, tentavam chegar mais perto do seu olhar confundindo-o com o miolo das flores.
     Oxum era a rainha da beleza e da sensualidade. Era a deusa do amor. Todos os homens gostavam de estar perto dela por que ela era divertida e inteligente. Mas Oxum só tinha olhos para seu marido Xangô, homem temido e respeitável, porém justiceiro e tão vaidoso quanto a sua esposa.
     Toda manhã ela tomava banho nua na cachoeira e depois Xangô aparecia para espiá-la. E como era bonito de ser ver aquele corpo negro se misturando no véu da cachoeira. Era como se ela fosse noiva todos os dias e o seu casamento e a sua vida se renovasse através das águas doces que desciam das entranhas das pedras.
     Xangô saiu por detrás dos arbustos e pulou nas águas como se uma flecha fosse. Oxum olhou para as águas já sorrindo. Parecia que ela tinha arrancado todas as pérolas do mar e feito-as morar na sua boca escura.
     Xangô saiu do profundo do rio e agarrou as pernas de Oxum com toda a força que tinha no seu amor:
      - Quero te dar um filho, Oxum. E ele será tão forte como o pai!
     Oxum abriu as suas longas pernas e o seu sexo humidecido, parecia a cachoeira em que há minutos atrás tomara banho.
     -Venha meu nêgo! Me dá então mais esta felicidade!
     - Sabes bem que para mim nunca haverá esposa como você.
     - Nem Oyá? – perguntou a bela mulher
     - Ela foi a minha primeira esposa, mas você é quem  é a primeira no meu coração. Quero te dar um filho antes de partir para a guerra.
     Oxum demonstrou-se preocupada:
     - Você acha que haverá guerra?
     Xangô olhou no fundo dos olhos apaixonados de sua mulata e confortou-a:
      -Eu só estou preparado para o que der e vier. Você sabe bem que se ouver alguma guerra não posso me curvar. E cada Orixá tem o seu destino. Nós dois sabemos que mais cedo ou mais tarde...
     Oxum abraçou o seu esposo e concluiu:
     - Só espero que seja tarde.
     Xangô entrou dentro dela com voraz apetite e devorou dela todo o seu desejo. Tirou da mulher todas as suas forças e no fim deixou-a gozar o seu cançasso na beira do rio onde o suor se misturava com a nescente.
     De noitinha, a comida estava pronta. O peixe estava coberto pelas folhas de bananeira que ela mesma colheu e escolheu. O peixe era o que o seu homem pescara de tardezinha.
     Ninguém cozinha como Oxúm! – elogiou o guerreiro satisfeito.
     Oyá, também nomeada por Iansã por seu também esposo Xangô, olhava o marido com o rabo dos olhos.
     -Hoje é noite de Iansã, Xangô!- replicou Oyá
     Oxum olhou nos olhos de Xangô para ver a resposta do marido:
     - Xangô tem cançasso no corpo. Hoje eu durmo na rede com o bater do sereno no corpo – disse ele
     Iansã baixou a cabeça e Oxum sorriu para as pulseiras douradas que usava, como se a beleza delas rissem sozinhas para ela e caçoassem da pobre Oyá.
     De madrugadinha, Oxun foi até a rede em que o marido estava e colocando de lado a sua machadinha, amou-lhe uma vez mais, serenando o seu corpo cansado e destruíndo-lhe todas as forças que lhe imperavam. Ele então balbuciou:
     - Só por ti, minha querida Oxum, eu perderia a minha bela cabeça de guerreiro. Só você,  oh, minha bela mulata, sem arma nenhuma, pode me desarmar desalmadamente...
     E assim, entregues ao amor e a desconfiança da primeira esposa, eles dormiram na grossa e aconchegante rede da grande varanda amparada pela noite calma e pelo extenso quintal da propriedade.



(Quando os Orixás pisavam a Terra, autora Marcella Reis/ Pinturas Nide Bacelar)

    
Marcella Reis, nos seus gostos musicais e culturais é bastante eclética e isso é enfatizado pela sua forma dinâmica e diversificada de escrever. De leves poemas enfeitados de palavras além de bonitas, reais e profundas, a escritora que tem o coração luso-brasileiro, sente um grande à vontade à mirabolar histórias eróticas, tanto quanto bizarras. Deste modo, ela uniu o ficcional ao erotismo e através de um profundo estudo e pesquisa do Candomblé e sobre a lenda dos Orixás, é que decidiu escrever uma obra em homenagem a esta cultura africana muito bem enraizada e representada na Bahia.
As belas e inspiradoras pinturas da ilustre artista plástica Nide Bacelar, foram concedidas pela mesma à escritora, a fazerem parte deste culto ao misticismo e à volúpia no imaginário envolvente na história.
 
"Cara Marcella,
 
   Muito honrada estarei em contribuir com ilustrações para sua obra que se mostra enriquecida de significados culturais, interessante, de leitura fluente e agradável, sabe prender a atenção do leitor. Inclusive, gostaria de poder obter a leitura completa da obra. Qual a referência? Onde se poderá encontrá-la?
 
         Estou sempre à sua disposição caso queira dispor de mais alguns de meus trabalhos, sinto-me envaidecida por ter sido escolhida para contribuir com tão grandiosa obra.
 
                                                                             Um grande abraço,
 
                                                                                                                        NIDE"
Caros bloguers e assíduos leitores, aqui poderão encontrar fragmentos da obra "Quando os Orixás pisavam a Terra" e algumas das belas pinturas da nobre Nide Bacelar que inspiraram Marcella Reis na criação da obra, por enquanto, ainda não concluída.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Pequeno excerto do Livro "La Strada" de Marcella Reis...
Um conto cheio de erotismo e absoluto instinto confuso.
O final dessa história bizarra, apesar de já existir, ainda não será postado  para aguçar a imaginação dos mais curiosos... 

  "Esta história que vou contar-vos agora, não é uma história inventada. Aconteceu mesmo, mas parece que foi inventada, mas, não foi. Só o título dela é que foi inventado, mas o acontecido não foi nenhuma lenda.
     José Carlos era um homem normal. Tinha a profissão de electricista, tinha mulher e filhos, uma casa com cachorro e quintal para ele correr e escavar a terra. A mulher era uma dona de casa comum que vivia pela família e trabalhava com salgados e doces para festas.As mãos dela eram grossas de tanto bater o ovo e a massa dos bolos que muita gente encomendava e de amassar a massa dos enroladinhos. Os dedos eram ásperos e e gordos como o cabo da vassoura que varria o terreiro todos os dias. José Carlos adorava aquelas mãos ásperas de cozinheira e de dona de casa. Parecia que a epiderme do tacto de sua mulher eram farpas a picarem o seu pénis, e ele sentia imenso gozo nisso no acto sexual. Aquele lixar de pénis era a sua maior satisfação. Quando a mulher adoeceu e teve que ser operada da coluna e não podia pegar tanto peso, José Carlos notou que com o afastamento da mulher e a contratação de uma nova empregada para os afazeres domésticos, as mãos da sua mulher Amélia foram ficando mais macias e ele não conseguia deixar o pénis tão erecto como dantes. Foi então que ele lembrou-se que na sua caixa de ferramentas  havia uma lixa pequena e uma outra maior. Preferiu começar pela menor. Só a ideia de pensar na lixa já o deixava teso. Começou a raspá-la no seu pénis ao lembrar-se ao mesmo tempo de sua mulher com as pernas bem abertas e depois em posição de cócoras. A sua ejaculação foi rápida e precisa e depois disso precisava demais do mesmo todas as manhãs antes de trabalhar. Passaram-se  dias até que a lixa ficasse toda gastada. José Carlos colocou-se contente, pois a lixa grande já o esperava. Passava a lixar o pénis de manhã, depois do almoço e depois do jantar. Passou a fazer colecção de lixas, e já se masturbava com a lixa em pleno horário de trabalho. Amélia procurava José Carlos e ele já começava a se esquivar dos carinhos doces e macios da mulher.
Um dia, na hora do almoço, entrou pela casa que estava toda molhada. Ele ia quase escorregando, quando a mão áspera e grotesca da empregada negrinha tocou os seu braços.
     -Não caia dotô!
     Nesta mesma hora o pénis de José levantou-se numa fúria enorme. Olhou a negrinha nos olhos e sentou vontade de pegar nas mãos dela e sacudi-la no seu orgão.
     -A sua mulé saiu ainda a poco. O sinhô dotô percisa de alguma coisa. A comida tá na mesa.
     -Eu... não tenho fome Lurdinha. Vou tomar um banho.Com licença.
     Ele saiu meio tonto ainda a pensar na mão negra e por baixo branca amarelecida da negrinha. Entrou para o banho com o pénis ainda para cima.
     Nunca havia reparado nas mãos da sua empregada doméstica. Começou a reparar nas mãos de outras mulheres. A maioria tinham as mãos leves e macias. Então começou a reparar nas mãos do homens. Estas sim lhe davam tesão. Eram largas, ásperas e fortes. Preferia olhar para a mão dos pedreiros e carpinteiros. Mas ele gostava mesmo era de mulher. As mãos lhe suscitavam prazer, mas a imagem de um homem a mexer no seu sexo fazia-lhe brochar totalmente. (...)"

Intimidade entre estranhos

Tu abres a porta de fora
Os cachorros sentem que tu chegas
Um presságio em mim pede para eu pegar na vassoura e parar de ver o desenho animado de que tanto gosto.
Tu me sorris friamente e eu tenho a noção
de que aquele sorriso foi mais quente.
Mais quente que o sol do verão do Brasil.
Tu sentas calado, quedo
e dentro de mim, esqueço-me de que
um dia tu falastes tanto de ti
que até me estafei

Antes bebíamos juntos…
Hoje embebedo-me sozinha
Antigamente, tu elogiavas a minha comida
e eu a fazia com mais apreço.
Hoje comemos a comida fria,
como a dobrada fria que Álvaro de Campos em tempos comera
ao revisitar Lisboa.
Tu? Será que tu revisitas o meu coração ainda?

Tenho saudades das tuas lembranças
e horror do teu presente
É honrado o teu passado
e terroroso o teu instante, neste instante…

Tu perfuras como um prego enferrujado as minhas entranhas
Despenso-te,
pois tenho medo do tétano!
Já me basta a paralisia infantil de não saber mais amar!

A cama é um gelo
Teus pés, dois cubos enormes
mas se derretem na madrugada
no meu corpo quente de desejo
Mas não pelo teu!

Tu tomas banho
Eu escuto o cair das águas
e imagino-me no meio da chuva, solitária,
longe dalí!

Oh, Dalí!
Quem sabe tu estarias bem mais perto de mim!
Quem sabe, a tua surrealidade
estaria bem mais perto
do que a dura realidade
dessa intimidade entre estranhos!

A Atraente
Não vou negar que tenho medo de ti,
Medo das tuas unhas atraentes e macias,
Do teu manto leve e fresco,
Da tua boca vermelha e carnuda,
Do teu vestido acetinado e
Do teu guarda-fatos retangular, polido e invernizado na mais nobre madeira

Tenho medo da tua pele cor da terra vermelha do Brasil e
De que tu enterres na tua epiderme as pessoas que mais amo
Não tenho medo que tu me leves para dentro de ti
Mas é conflituoso o que a nossa noite de amor acarreta

Prometa-me que não me trairás e que terás somente a mim
Que não beijarás tão cedo os meus amigos e os meus seres mais amados
Promete-me isto em silêncio e segreda-me o mistério nunca dantes desvendado

Prometa-me que quando me levares para dentro de ti,
deixarás que eu escreva cartas e que eu veja os meus familiares de longe
Promete-me que será me ás fiel e que ninguém sofra pela minha ausência

Tu irás chegar de mansinho e não degradarás o meu corpo
Uniremo-nos ao soprar doce do vento e iremos embora com a chuva
Não deixarás que o meu perfume fique empregnado nas minhas roupas
Pois elas serão de uma pessoa que precise mais do que eu
Por que eu serei da água, do fogo, da terra e do vento
Seremos as duas os quatro elementos e nos alimentaremos da luz infinita do sol e
Quando eu estiver preparada para regressar,
Far-me-ás desabrochar de uma flor de cerejeira

Prometes-me isso,
Senhora Morte!
E eu não terei medo de ti!

Prometa-me que em  morte
Eu ainda estarei viva e
Façais juz à tua misteriosa beleza...

Tudo que era uma vez...será para todo sempre.