quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012


 Capítulo IV
Nanã 

...........................
Parte 2
.............................
Oxalá eu tivesse um filho teu!


  “  No início o mundo e as coisas eram formadas por pântanos e águas. Somente por isso o mundo era rodeado e feito. Nós orixás vivíamos em orum e só de vez em quando desciamos à terra, nome que os humanos costumam dar a ayê. Foi então que Olorum, o nosso senhor chamou Oxalá e confiou-lhe  a tarefa de criar e dar terra firme ao mundo. Olorum cedeu a Oxalá um pombo, uma galinha com pés de cinco dedos e uma concha de águas. Oxalá foi até ao pântano e pousou a concha, soltando assim a galinha e o pombo que ciscaram toda a terra que misturou-se na água formado uma espécie de barro. Olorum enviou então dos céus um camaleão para saber se Oxalá havia conseguido realizar o trabalho que havia lhe dado. E de certo que ele conseguira. Oxalá teve a honra de criar o homem e a mulher através do barro que havia no pântano e Olorum soprou-lhes para dentro da boca e deu o ar da vida aos orixás e a todos os seres humanos. Foi uma felicidade só para os deuses e para os humanos.              
     Quando jovem, Oxalá era conhecido como Oxaguiã.  Eu era considerada a grande deusa guerreira das Bahias. O moço divino, morava num reino muito bonito, reino este que eu como boa guerreira , tinha a pretenção de conquistar. Mas ao chegar ao reino e ver aquele moço tão belo acabei por me apaixonar por ele no momento em que o mirei.  Declarei-me para ele e qual não foi a minha desilusão, quando ele me disse que o seu coração já pertencia a uma outra mulher. Eu lhe perguntei que mulher era esta. Ele me respondeu que... bem. Era uma sereia. Ele só havia me dito isso. Eu perguntei-lhe o nome dela e com medo de que eu lhe fizesse algum mal a ela, não me dissera. Desisti de atacar e conquistar o seu reino e todos os dias campeava por lá só para admirá-lo e descobrir quem era a sua esposa.
     Numa noite muito azul e prateada do mais cintilante luar, eu resolvi seguir  Oxaguiã e o vi caminhando para a praia  Bonita daqui da Bahia. Ele ficou durante muito tempo sentado na areia, admirando as ondas que iam e voltavam para os seus pés. As espumas das ondas iam se juntando nas suas pernas cada vez mais, como se fossem um véu prateado. De repente, um rabo de peixe apareceu pelo alto da espuma e voltou a esconder-se entre ela novamente, até que uma explosão leve de água aconteceu em todo o corpo dele,  espirrando até em meu rosto que estava alguns metros distantes dalí. No mais absurdo do inacreditável, aquela espuma líquida transformou-se num tecido branco e esvoaçador. E o mar tomou a forma azul de um mundo de cabelo. Ao meio de todo aquele emaranhado de vestido e cabelos ondulantes, apareceu do escondido, o corpo escultural e a face perfeita de uma sedutora e venusiana mulher, pronta para amar e ser amada pelo meu amado Oxaguiã.
     Daí por diante, eu percebi que Oxaguiã casava-se todas as noites com aquela mulher do mar que usava um véu feito de espuma e cabelo de água. E que todas as noites era a sua lua de mel e que... todas as noites também, ela dava luz a milhares de filhos dele. Na verdade, ela dava a “Lua” a milhares de peixinhos. Fiquei boquiaberta! Não podia acreditar numa coisa daquelas. Mas era mesmo verdade. Os filhos deles era simplesmente... peixes!
     Com tudo isso, eu fiquei obcecada em dar um filho ao homem que tão platónicamente eu amava. Eu queria dar a ele filhos que não fossem peixes. E passado 9 dias e 8 noites em que o episódio com a mulher- peixe se repetia, eu invadi o seu quarto numa madrugada e supliquei-lhe que me desse um filho. Ele reclinou-se ao meu pedido. E disse que não podia dar um filho a quem ele tinha quase como uma filha. Ele contou-me que ele havia criado o meu corpo e o modelado do barro de um mangue. Eu havia sido a primeira mulher-deusa a ser modelada por ele.  E depois que ele me fizera emprestei-lhe do meu barro para a criação dos seres humanos. Havia tanto mistério dentro do meu ser que até para mim era um mistério tudo isso não ter sido nunca recordado.Ele era o meu co-criador. Então eu lhe disse sorrindo:
     - Segundo a crença de alguns humanos, Adão foi criado do barro e foi o primeiro homem a pisar na terra. Da costela deste homem foi feito Eva. Costela esta que era barro do corpo de Adão. Tu foste o primeiro Orixá a pisar a terra e eu a primeira a ser feita. É justo que me tomes. É justo que recebas também o meu amor. Dar-te-ei um filho de verdade. E por teres me moldado, não serei a tua segunda esposa, mas a primeira.
     Dizendo estas palavras abracei-o com força e o seu corpo divino fundiu-se ao barro do meu corpo, mangue forte e enamorado e nesta madrugada eu lhe revelei todos os meus mistérios...
     ( "Quando os Orixás pisavam a Terra" escrito por Marcella Reis/ Pinturas Nide Bacelar)

    

Nenhum comentário:

Postar um comentário