segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

O CRIME DO SOL



E eram assim todas as manhãs: o Sol levantava-se cheio de luz. Radiante! Acordava feliz por que sabia que tinha a companheira mais bonita ao seu lado. Bem, não era mesmo ao lado. A mulher que ele tanto amava, estava sempre distante dele. O trabalho de ambos não permitia que se encontrassem. Eles eram viajantes. A Lua tinha  que iluminar a noite do oriente enquanto que o Sol tinha que dar luz ao Ocidente e vice e versa.
Ambos nunca tinham tempo de falar sobre as viagens que faziam. Casaram-se num dia de eclipse aos olhos dos mais curiosos e a Lua deu a luz à biliões de infinitas estrelas. Eu nunca vi tanta estrela sair da barriga da Lua. De Lua Cheia ela ficou Minguada. Parecia a ponta de uma unha do dedão do pé cortada.
A Lua lhe fizera uma recomendação: “ Tu nunca poderás ficar muito perto de mim e saber sobre a minha vida. O nosso casamento só dará certo se tu cumprires esse meu pedido.” Dissera a Lua no dia do casamento. E o Sol prometeu a Lua que a amaria na distância e  no segredo lunar dela, mesmo em frente à todas  as testemunhas do universo e do céu.
De quando em vez, o Sol chegava um pouquinho mais cedo para despedir-se da Lua e outras vezes a Lua demorava-se um pouco mais a ir embora para ver o seu amado de longe. A Lua ficava transparente... como se fosse a clara de um ovo e o Sol do outro lado parecia a gema.
O Sol nunca perguntara nada sobre a vida da Lua. Foi então que ele viu uma Nuvenzinha transparente e sonolenta aproximar-se dele e sentiu-se tentado em saber um pouco mais sobre a sua companheira Lua:
- Olá Nuvenzinha. Sei que és da Noite. O que fazes aqui?
Ela bocejou sonolenta e disse:
- Procuro um lugar quentinho para dormir. O céu aqui ontem foi uma festa. A Lua vestiu-me como um véu e dançou para que todos vissem. Foi lindo!
O Sol ficou enciumado. Não sabia que a Lua dançava a noite. Ela sempre lhe dissera que trabalhava tanto!
- E o que mais a Lua fez? – perguntou o Sol começando a ficar mais quente.
- Ah, senhor Sol, a  Lua dançou com um homem muito bonito chamado São Jorge.
-E o que ela fazia agarrada a um Santo?
- Comemorava por ele ter matado um dragão que há muitos anos a incomodava.
“Por quê a Lua nunca me falara desse Dragão?”- pensou o Sol desapontado. E a tarde esfriou um pouco.
A Nuvenzinha dormiu e o Sol quase ia se esquecendo de ficar no meio do céu. Era já meio dia.
O Sol não parava de pensar na Lua. Até que adormeceu nas montanhas e acordou do lado do oriente.
Todos falavam da festa do Equinócio. Essa festa só acontece duas vezes ao ano e significa “noites iguais”. Nessa data os raios solares incidem bem mesmo na linha do equador,distribuindo luz igual para toda parte do planeta. É como se fosse uma oferenda de raios de Sol. Nesse dia o Sol banha a Lua de dourado.
Não se sabe o por quê, mas no equinócio a Lua sempre diminui de tamanho. Depois dos dois dias ela cresce novamente.
O Sol estava cada vez mais curioso e enciumado. Um estrela pequenina ainda estava no céu. E ele perguntou a sua filha pequenina:
- O que fazes aqui pela manhã? Não seguiste a sua mãe?
Ela sololenta respondeu:
- Acabei por adormecer. Haja força para aguentar tanta agitação pela noite a fora. Não sei como a mamã consegue ficar tanto tempo acordada.
A estrelinha tinha a fama de falar demais. Por isso o Sol resolvel fazer-lhe algumas perguntas e ela contou tudo que se passava nas noites lunares:
- A mãe Lua é muito boêmia. Ela bebe champagne todas as noites e usa um vestido prateado e pérolas no pescoço. Eu não sei bem, mas acho que ela é uma pérola gigante. Não há quem não se apaixone por ela. A Lua tem uma voz linda e sabe dançar também. Tem noites em que ela se despe e vai banhar no fundo do rio. Ela fala com os peixes, com os pescadores e inspira os casais apaixonados...
O Sol abaixou a cabeça. Sempre pensara que a Lua fosse feita de queijo. Mas agora ele descobrira que ela era uma jóia brilhante que enfeitava o céu. Foi então que ele entristeceu-se ainda mais.
 Agora, os dias do Sol eram para pensar nas noites felizes da Lua. Foi então que ele passou a beber em plena luz do dia. Desde então ele acordava ressacado do vinho e com as maçãs do rosto que eram douradas, avermelhadas.
O Sol já não gostava mais de ir a praia e nem do verão. Já não surfava nas ondas do mar e estava apático.
Ele já não aguentava mais viver longe da sua amada Lua. Sabia que se aproximasse dela poderia derretê-la. Mas não sendo ela feita de queijo como ele pensava, não havia problema algum em chegar um pouquinho mais perto.
Chegou então o grande dia da festa do equinócio. O universo estava todo preparado e enfeitado para a festividade; Saturno colocou no dedo o seu melhor anel, Júpiter usou os seus cristais de amonia, Marte vestiu a sua túnica vermelha, Vênus banhou-se do fogo de seus milhares de vulcões e de sua luz vespertina.
  A Lua estava nova e sorridente como nunca. Usava um vestido adornado de lantejoulas e sapatos de cristais. Anciosa esperava pelos banhos do Sol.
O Trópico de Câncer e todos os outros hemisférios, aguardavam anciosos para que a linha do equador se iluminasse como uma fibra ótica de luz.
Já passavam-se 3 minutos da hora marcada para o equinócio. Uma ruga apareceu na testa lisa da Lua.
De repente o Sol apareceu com os cabelos de fogos a esvoassarem com o vento. Os olhos da Lua cegaram-se.
- O que fazes aqui?- perguntou a Lua ofuscada pelos cabelos loiros do Sol.
- Não hei de cumprir o que me pedistes. Não posso mais ficar longe de ti. Não aguento saber que tu danças alegre e feliz e que bebes sem a minha presença. É esse o seu trabalho? – indagou o Sol
O Sol flamejava de raiva e ciúmes.
A Lua chorava lágrimas geladas.
- Agora choras Lua de sofrimento?
- Não podias ter feito isso... – repetia a Lua a chorar mais e mais – Não te aproximes mais! – suplicava a Lua ao Sol
O Sol viu que a lua não era feita de queijo, nem de pérola. A Lua era feita de cristal. Sem pensar duas vezes ele a abraçou.
Aos poucos ela foi diminuindo: de lua nova transformou-se no quarto crescente, do crescente em lua cheia de dor e desepero até chegar no quarto minguante.
A Lua de cintura fina estava caída nos braços do Sol.  E só nesse momento o Sol descobriu que ela era toda feitinha de gelo.
Antes que ela se derretesse por completo, uma última gota de luar disse:
-Cuide bem das nossas estrelas.
- O Sol matou a Lua!- Gritaram as três Marias em coro.
O Sol, que ajoelhado estava no Trópico de Capricónio, chorava pela sua Lua derramada.
Desse dia em diante, o Sol estava condenado a viver para o resto dos dias sem a Lua. A noite não era mais a mesma. Era uma noite negra e triste. E só então o Sol se percebeu  de que o trabalho da Lua era dar alegria à Noite e festejar a vida.
Incorformado com o crime que cometera, o Sol mergulhou para dentro do mar e apagou para sempre o seu fogo de orgulho e de raiva.
Desse dia em diantes os dias e as noites nunca mais foram iguais...

Ilustração: PATICO 
Autor do conto: MARCELLA REIS

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